17 de janeiro de 2010

A proliferação das palavras

E por esses caminhos que a Vida nos oferece, volta e meia deparo-me com obras que me tocam fundo, seja através da alma, do humor, da sensibilidade, da estética, ou do conteúdo. E, ladra que sou, assumidamente sanguessuga, volta e meia também chupo sem pudor aquilo que adoraria ter feito e não pude/não consegui/não tive a idéia, ou o talento necessário. É o caso agora.

Já há algum tempo persigo o blog "os nascimentos das palavras", ali ao lado linkado. E é de lá que vem o texto abaixo que, ao me Encantar, me trouxe a vontade de Compartilhar. Um texto em profusões que exige carinho para ser degustado, que nos chega devagarzinho e sorrateiro...

"(e o primeiro e o segundo e depois cada um dos passos, e cada trilha caminhada ou interrompida ou preterida, cada ponte cruzada ou desprezada, as esquinas que não alcancei e aquelas onde titubeei, as estações onde desci e aquelas de onde parti e aquelas que só avistei, os campos que me serviram de caminho ou pouso, paisagem, trabalho ou descanso, os rios por onde naveguei, os rios que me deram de beber, os rios que me levaram a outros rios, as escadas que subi, as escadas que não quis descer, cada centímetro do asfalto das estradas que percorri, cada segundo das esperas pelos trens, e os trens que perdi, as muitas vezes que caí, cada parede que ergui e cada uma em que me apoiei, as rotas que tracei e aquelas que deixei, caminhos, caminhos, caminhos, cada um um caminho que gerou outro e que juntos formaram um só, revoada-caravana-miríade-alcateia-corja-coro-buquê-plêiade-cancioneiro-cordilheira-legião-manada-matilha-ninhada-constelação-saraivada-girândola-panapaná-panapaná-panapaná-panapaná-panapaná de caminhos, e cada um infinitamente solitário e belo em ser um caminho, e juntos infinitamente belos por serem infinitamente belos sozinhos, e todos, e cada um me trouxeram ao aqui, à você, à infinitude, à sua infinitude, à minha infinitude, à sua pele e aos seus olhos, à minha pele e ao meu olhar, e a cada um dos seus rios, risos, pontes, trilhas, estações, escadas, estradas, esquinas, caminhares, os meus caminhares, eu, as minhas pontes e escadas e estradas a mim, e por isso a outras pontes e a outros caminhares, eus, a eu-mosaico de caminhos, a meu não-mosaico de caminhos, a tudo que é mosaico e a tudo o que está fora dele, ao que está ainda distante mas já dentro de mim, aos tentares, aos caíres, aos meus caíres e aos meus levantares, ao meu cair e ao meu levantar no silêncio, ao silêncio, ao meu silêncio, ao meu silêncio que de tão silencioso pare caminhos como os loucos parem loucos em cada olhar, como eu pairo panapaná, pairar, parir, pairamos parires, pairamos pairares, pairar o pairar, pairo e pairo, pairo o parir e o pairar e o partir e o nunca parar (e é por isso que tenho que olhar o mar de frente: não há porto, nunca houve um porto, nem seguro nem inseguro, nunca houve, o que houve foram miragens, mirações, visagens, mas nunca um porto, só miragens nesse deserto que se torna o oceano caso não queiramos aceitar a deriva, aceitar à deriva, derivar-nos da deriva, aceitar a ausência e a finitude dos portos, porque portos pressupõem margens mas há só mar, o mar virgem sem margens, sem portos-pressuposições, sem mesmo trilhas ou escadas ou esquinas ou pontes ou estações ou traçados ou caíres ou levantares ou primeira ou segunda ou até mesmo sem a terceira margem, talvez só o louco oceano céu aberto mar aberto aberto silêncio parir pairar panapaná panapaná panapaná panapaná"

Murilo Hildebrand de Abreu

Thanks a lot, Murilo

3 comentários:

Murilo Hildebrand de Abreu disse...

Eu é que agradeço, Sônia.
abs
Murilo

Unknown disse...

O universo da blogsfera é realmente encantador, há muitas coisas que nos tocam a alma e o coração.

MARCELO DALLA disse...

Olá querida!!!
Venho matar a saudade e fazer um convite: nesta segunda, dia 25, vai rolar a entrevista coletiva que dei pro Cova do Urso.
Tem pergunta sua e sortearei uma de minhas mandalas.

Será um prazer te ver por lá!
bjo