13 de janeiro de 2010

"Não preciso do fim para chegar"



Manoel de Barros me encanta. Seja pela figura simples de bicho do mato a construir ninhos de versos; seja pelo poeta louco em cujos poros gorjeiam as palavras.




Ele está velho: 93 anos de lápis. Mas parece que não se dá conta (as lesmas e os sapos não tiveram coragem de lhe contar, sabe como são os bichos...educados demais para certas inconfidências)e escreve agora, ainda à mão livre, um novo livro com teor ainda desconhecido que já se confunde com obra prima a "destroncar imagens".

Mas enquanto Sr. Livro não vem, poderemos em breve nos banhar em Barros num documentário que promete ser uma "desbiografia oficial" desse poeta para quem
"poesia é voar para fora da asa": "Só Dez por Cento é Verdade", de Pedro Cézar (o título refere-se a uma frase de MB: "Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira").

Esse filme, que conta com a presença corporal e palavrar de Manoel, já nasceu como um marco histórico no universo fílmico-lírico tupiniquim: o mestre que tem pela palavra "a mesma fascinação que a lesma tem pela pedra" tem, também, notória aversão a entrevistas. De acordo com Pedro Cézar, a façanha só foi possível porque, diante da resistência do poeta em aparecer, desistiu da empreitada com um último comentário que o teria desarmado por completo: "Era apenas um sonho..."
As filmagens começaram no dia seguinte do ano de 2008.

Fiquem agora, pois, com uma micro amostra daquele que procura a "palavra que serve na boca de passarinho":

"O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.

(...)

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática."

Mundo Pequeno (fragmentos)
do livro "O Livro das Ignorãças" - ed. Civilização Brasileira.